domingo, 30 de setembro de 2012

ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS - THEREZA CHRISTINA HOLL CURY

A autora deste texto, destaca que o novo paradigma de elaboração, implementação e avaliação de projetos sociais exige a busca de uma maior racionalidade nas ações e resultados, bem como de novos e modernos instrumentos que deem conta dessas novas exigências. Para isto, a autora discute três dimensões sobre o processo de planejamento dos projetos sociais - lógico, comunicativo e de cooperação e articulação – e apresenta formas de elaborar projetos a partir destas questões e olhares diferenciados.      O texto faz parte do livro: ÁVILA, C. M. de. (org.) 2001. Gestão de projetos sociais. São Paulo. AAPCS. 139p.

Leia o texto na integra :
ELABORAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS

                                                                                  Thereza Christina Holl Cury

A ÉTICA NOS DÁ O SENTIDO

O novo paradigma de elaboração, implementação e avaliação de projetos sociais exige a busca de uma maior racionalidade nas ações e resultados, bem como de novos e modernos instrumentos que dêem conta dessas novas exigências. Perpassando o novo paradigma de desenvolvimento social, encontramos uma idéia reguladora que organiza e sustenta esse processo, delimitando-o em seu sentido e em seus fins.

Otimizar recursos, melhor controlar e avaliar resultados, ter clareza de compromissos e responsabilidades para avançar na efetividade de nossos resultados não tem um fim em si, mas é fruto das exigências trazidas pelo compromisso ético, subjacente a toda e qualquer ação que se queira transformadora no campo social.

A dimensão técnica – maior competência na busca de conteúdos e de estratégias que nos permitam aferir resultados eficientes e eficazes – não é suficiente. Existe uma outra dimensão, a ético-política, que importa ressaltar, a qual organiza e sustenta esse processo, delimita-o em seu sentido e em seus fins, pois atuar na esfera pública1, coletiva e social exige, antes de mais nada, um compromisso com a efetividade e, para isso, é preciso que tenhamos uma visão crítica que questione, a todo momento, o sentido desse nosso agir.

É preciso termos clareza da importância da dimensão ética como responsabilidade de um Estado democrático e de uma sociedade civil organizada na busca conjunta de uma esfera pública cada vez mais fortalecida e ampliada.

Várias são as maneiras de abordar as questões ligadas ao planejamento de um projeto social. Vamos enfatizar aqui três dimensões que nos parecem fundamentais para entender a dinâmica desse processo. Ele é, ao mesmo tempo:
 um processo lógico, pois é necessário que seus conteúdos e passos sejam precisos, sistemáticos, em um encadeamento racional de seus elementos e de suas ações;
 um processo comunicativo, já que o documento do projeto deve ser o resultado de uma construção coletiva, criando em nossa organização um consenso quanto aos objetivos, estratégias e resultados e, externamente, possa convencer e informar sobre a importância e a necessidade de sua implementação e da competência de nossa organização para fazê-lo eficaz e eficientemente;


Referências:

1 CURY, T. C. H. 2001. Elaboração de projetos sociais. IN: ÁVILA, C. M. de. (org.) 2001. Gestão de projetos sociais. São Paulo. AAPCS. 139p.
*  um processo de cooperação e articulação, já que não é possível mais trabalharmos isolados; é preciso compartilhar nossos sonhos com o “outro”, nossos parceiros e colaboradores; é preciso desenvolver a capacidade do diálogo, do convencimento e da negociação, a capacidade de trabalharmos juntos, com nossas identidades e diferenças. É fundamental hoje “sair para o mundo” na busca de novas parcerias e na integração com as redes sociais existentes.

É preciso lembrar, ainda, que essas três dimensões são perpassadas por uma outra, a dimensão pedagógica: descrever, analisar e sintetizar fatos e informações; saber comunicar-se, persuadir, convencer; compreender e operar nosso entorno social; reconhecer e aceitar diferenças; saber trabalhar em grupo de maneira participativa, tudo isso faz parte de um importante aprendizado social.

O PROJETO SOCIAL COMO UM PROCESSO LÓGICO

Qualquer projeto surge de uma idéia que brota, ao mesmo tempo, na cabeça e no coração de quem a pensa. (Manual para educadores de adolescentes de comunidades populares)

Nossa imaginação faz suposições sobre coisas futuras, faz previsões sobre o que pode ou não acontecer, cria imagens, as mais variadas... fantasia... Nossa capacidade de imaginar passeia entre dois campos imprecisos. De um lado, como capacidade inteligente e inovadora, é ela que constrói o sonho, faz aparecer o que não é, mostra-nos ser possível o impossível. De outro, pode nos levar ao exagero, à ilusão, ao delírio. Mas ela nos basta? É preciso refletir sobre os nossos passos, cuidadosamente, para que nossas ações tenham bons resultados. É preciso entender a realidade, suas relações, para que possamos enxergar todas as suas potencialidades, oportunidades e riscos. É preciso planejar minuciosamente, fazer opções entre as muitas alternativas possíveis. É preciso analisar, relacionar, pois teremos que optar, escolher.

Se é preciso ter intuição, experiência, fantasia, vontade para criar o novo, para poder responder positivamente à incerteza, para ser flexível diante dos obstáculos que o real nos impõe, para saber criar soluções novas para nossos velhos e novos problemas, é igualmente imprescindível que entendamos bem essa mesma realidade.

À criatividade da imaginação é preciso saber juntar a força da racionalidade. É necessário percebermos o real como uma teia de relações, como um sistema interligado de forças e influências. Um sistema interativo. Somente assim poderemos analisar corretamente os problemas colocados, tornando efetivas nossas análises, decisões e ações. É fundamental compreendermos a proposta como um todo, perceber suas inter-relações e interdependências, suas relações de causalidade e sua complexidade.
* Todo projeto deve passar necessariamente por três momentos: o planejamento, a implementação e a avaliação. Essas etapas estão intimamente relacionadas, possuindo o mesmo grau de importância. São momentos que se imbricam, se inter-relacionam, vão e voltam em um movimento dinâmico, não-linear.

A avaliação começa logo que uma proposta de projeto é esboçada – a chamada avaliação ex-ante, que tem por objetivo analisar o ambiente onde o projeto pretende se inserir, examinar o contexto social, econômico e político local. No momento da implementação, o monitoramento sistemático das atividades e custos do projeto fornece as informações necessárias não só para o momento da avaliação final, mas também para todos os níveis gerenciais, possibilitando o controle efetivo das ações em sua relação com nossos objetivos, nossos prazos e nossos resultados, em uma ligação direta com o anteriormente planejado, possibilitando corrigir os rumos, apontando ações corretivas necessárias, exigindo de nós um replanejamento que, não raro, afetará nossos custos, prazos e o desenvolvimento do projeto.

Ter em conta a existência dessa interdependência entre planejamento, implementação e avaliação é, portanto, não só desejável, mas absolutamente necessário à eficiência, eficácia e efetividade no desenvolvimento e nos resultados de qualquer projeto social.

Em seguida, trataremos de alguns aspectos ligados ao processo de planejamento. Por entendermos que mais importante que a escolha do método é a conscientização da necessidade da fase de planejamento, procuramos levantar algumas questões que acreditamos sejam essenciais para que as organizações sociais se convençam dessa importância e, assim, busquem deixar de lado a prática do improviso, tão comum dentro de nossas entidades.

Políticas, planos, programas e projetos na lógica do planejamento

Na perspectiva do sistema de planejamento, uma política é um processo de tomada de decisões que “começa com a adoção de postulados gerais que depois são desagregados e especificados. Assim, a política social global prioriza setores e estabelece a integração que manterão entre si, em um determinado marco teórico, histórico e espacial. Quando esta priorização é plasmada em um modelo que relaciona meios e fins, concatenando-os temporalmente, se obtém um plano”. O plano fornece um referencial teórico e político, as grandes estratégias e diretrizes que permitirão a elaboração de programas e projetos específicos, dentro de um todo sistêmico articulado e, ao mesmo tempo, externamente coerente ao contexto no qual se insere. Em um plano, os problemas são selecionados, estabelecendo-se áreas de concentração, e para essas áreas elaboram-se programas que, não raro, derivarão em projetos.


* O programa é o aprofundamento do plano, o detalhamento por setor das políticas e diretrizes do plano. Podemos definir um programa como um conjunto de projetos que buscam os mesmos objetivos. Ele estabelece as prioridades nas intervenções, ordena os projetos e aloca os recursos setorialmente. Em geral, as organizações responsáveis pelos programas são governamentais, mas existem também instituições privadas que operam dentro das diretrizes das políticas públicas.

Um projeto “é um empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades inter-relacionadas e coordenadas para alcançar objetivos específicos dentro dos limites de um orçamento e de um período de tempo dados”. O projeto é a unidade mais específica e delimitada dentro da lógica do planejamento, é a unidade mais operativa de ação, o instrumental mais próximo da execução.

Na lógica do planejamento, quanto maior o âmbito e menor o detalhe, mais o documento se caracteriza como um plano; quanto menor o âmbito e maior o grau de detalhamento, mais ele terá as características de um projeto.

A importância do pensamento estratégico na esfera pública

Se não devemos transplantar mecanicamente para a esfera pública métodos de planejamento pensados e elaborados para a esfera privada, não podemos igualmente abrir mão desse importante instrumento na elaboração de um projeto social.

Se é preciso ter clareza das diferenças essenciais entre esfera pública e esfera privada e, assim, de suas especificidades em termos de gestão, é preciso também compreender que atuar na esfera pública, prestando serviços sociais, exige mais do que nunca que nossa ação tenha resultados efetivos, que ela se torne uma ação realmente transformadora das condições sociais atuais.

Para isso, um processo de planejamento minucioso e sistemático é indispensável.

A realidade da qual nossa organização faz parte é formada por uma permanente tensão de tendências, forças, interesses que ora se opõem, ora se reforçam mutuamente. Se nossas ações são intervenções que objetivam transformar a realidade existente, as transformações que trouxerem serão a combinação de todas as nossas ações com as forças atuantes em uma dada realidade. Analisar a realidade significará, então, identificar essas forças em jogo, as relações entre elas e seus efeitos – ou potenciais efeitos – sobre nossa organização, nossos objetivos e nossas ações.

É preciso analisar também o ambiente interno de nossa organização. É preciso verificar quais os aspectos que influenciam ou poderão influenciar nosso trabalho, qual o impacto desses elementos, externa e internamente, e como eles poderão afetar nossa


* organização e nossos projetos. Através de um bom planejamento, podemos identificar esses diferentes aspectos e, assim, utilizá-los, eliminá-los ou minimizá-los.

Planejar estrategicamente não é, portanto, adivinhar ou predizer o futuro, mas sim calcular, influir no futuro, pois, ainda que não tenhamos o controle total sobre os resultados de nossas ações, podemos tentar criá-lo, prevendo possibilidades e dificuldades, descobrindo e antecipando respostas.

Quem planeja? Quem são os atores?

Partindo do pressuposto de que planejamento, implementação e avaliação não devem ser separados, o planejamento deve ser pensado sempre como um processo coletivo, grupal. É preciso garantir que, independentemente do método utilizado, todos os atores envolvidos no projeto participem do processo, com seus conhecimentos específicos, com suas práticas diferenciadas e suas diferentes leituras da realidade.

Realizar um processo de planejamento participativo não é fácil, pois grupos sociais não são homogêneos. A equipe da organização, os financiadores e/ou parceiros e os beneficiários de nossa ação vêem a mesma realidade sobre a qual se está refletindo de diferentes maneiras. Escolher este e não aquele objetivo, esta e não aquela estratégia para alcançá-lo irá depender da posição de cada um, do recorte pessoal feito dessa realidade, da maneira como cada um a vê, a explica. Assim, um dos aspectos fundamentais nesse momento é compreendermos essas diferentes visões de mundo, os diferentes interesses e desejos manifestos.

Segundo Carlos Matus, nada é menos rigoroso e objetivo do que ignorar as subjetividades que toda explicação de um problema contém. Se queremos conhecer a realidade, precisamos entender que conhecê-la é identificar e compreender o outro e seu ponto de vista, descobrir a chave com a qual ele lê sua realidade e a nossa. Desse modo, o processo de planejamento deve levar em conta não só os aspectos técnicos, como muitas vezes acontece, mas também os aspectos políticos, sociais, valorativos e informacionais contidos em nosso projeto.

Como já dissemos, é fundamental identificar quais são os atores, isto é, as pessoas ou organizações que poderão influenciar, positiva ou negativamente, nos resultados de nosso projeto e como esses atores se inserem na realidade social, como eles a explicam, já que não existem explicações únicas e, conseqüentemente, soluções únicas para a resolução de um problema.

Perceber a realidade em sua complexidade é compreender essa relação, todos interagindo como se participassem de um jogo – o jogo social, um jogo interativo, em que o resultado de uma jogada só será conhecido após a jogada do outro.



* Qual é o fundamento explicativo a partir do qual cada jogador faz seus planos para ganhar o jogo? A explicação que cada ator constrói sobre uma realidade não é um amontoado de dados e informações: os dados e informações podem ser objetivos e podem ser igualmente acessíveis a todos. A explicação é uma leitura dos dados e informações que expressam a realidade. Cada ator retira da realidade uma interpretação dos fatos, conforme as lentes com que os observa. Toda explicação é declarada por alguém, e esse alguém é um ser humano que tem seus valores, suas ideologias e seus interesses.

Começando a planejar, a pensar a ação...

O que as pessoas dizem – como elas sentem e o que elas pensam e conhecem – são fatos tão válidos e “científicos” quanto a nota de um teste de QI ou a resposta a um questionário ou levantamento.

VAN DER EYKEN

A análise do contexto e das alternativas de ação

O primeiro passo de um projeto é a análise do contexto, também chamada diagnóstico da situação, análise situacional ou análise do cenário. É preciso descrever, analisar e entender a realidade local, social e institucional na qual pretendemos intervir e assegurar a conexão entre nossa intervenção no plano micro (comunidade, público-alvo do projeto) e no plano macro (município, estado).

Quais as informações necessárias para que isso possa se realizar a contento? Quem são e como pensam os atores nessa realidade? Quais seus desejos e necessidades? Quais os problemas, suas causas e seus efeitos? Quais são os valores da equipe do projeto? Eles coincidem? Quais as características e as competências da equipe? Ou seja, analisar o contexto significa não só analisar a realidade externa ao projeto, mas também a sua dinâmica interna, criando uma base para a avaliação final, bem como identificar as situações que possam limitar ou potencializar o alcance dos resultados do projeto.

Tomando como exemplo um projeto de capacitação profissional de jovens e adolescentes, as informações poderão ser obtidas de várias fontes e de muitas formas, entre as quais destacamos:
 entrevistas ou reuniões grupais (também chamadas oficinas, grupos focais), com empresários, trabalhadores e especialistas da área, para conhecer as demandas do mercado de trabalho, o perfil do trabalhador requerido, os nichos inexplorados do mercado de trabalho, as parcerias possíveis para viabilizar o projeto de capacitação profissional e a inserção futura dos alunos no mundo do trabalho, seja como


* empregados, profissionais autônomos, ou empreendedores de pequenos negócios produtivos. 
reuniões grupais com o público-alvo, para refletir sobre suas histórias de vida, sobre sua relação com o mundo do trabalho, suas expectativas e demandas relativas às novas habilidades que espera adquirir para se inserir no mercado de trabalho. É recomendável aproveitar essas reuniões para refletir também sobre os modos de divulgação e seleção dos futuros alunos.

* reuniões da própria equipe da organização, para refletir sobre os dados pesquisados e desenhar o projeto a partir das várias opções surgidas e da análise de seu potencial e de sua viabilidade.

A formulação dos objetivos e metas do projeto

Realizada a análise de contexto, o próximo passo será elaborar os objetivos do projeto. Não é fácil formular objetivos, mas sua elaboração e delimitação, sua clareza e legitimidade são fundamentais para o êxito de qualquer projeto, já que será em função dos objetivos traçados que todas as ações serão pensadas, executadas e avaliadas.

É preciso que eles sejam bem compreendidos por todos: equipe do projeto, parceiros e beneficiários da ação, possibilitando uma linguagem e um entendimento comum do que está sendo proposto e dos resultados desejados.

Existem vários pré-requisitos implícitos na escolha dos objetivos de um projeto:

 aceitabilidade – deve ser aceitável para as pessoas cujas ações se acham envolvidas na sua execução.

 exeqüibilidade – tem de ser exeqüível dentro de um tempo razoável.

 motivação – deve ter qualidades que sejam motivadoras.

 simplicidade – deve ser simples e claramente estabelecido.

 comunicação – deve ser comunicado a todos que estejam, de alguma forma, ligados ao projeto.

Quanto à abrangência, os objetivos de um projeto podem ser divididos em:

 objetivo geral – aquele que expressa maior amplitude, exigindo um tempo mais longo para ser atingido e a ação de outros atores que, como nós, contribuem para a resolução do mesmo problema. Assim, o objetivo geral é aquele que só será alcançado pelo somatório das ações de muitos atores. Diferentes atores, diferentes ações, todos contribuindo para que se alcance a mesma finalidade.

*
 objetivo específico – é um desdobramento do objetivo geral, expressando diretamente os resultados esperados. É o foco imediato do projeto, orientando diretamente nossas ações. Para evitar diferentes interpretações com relação aos objetivos de um projeto, devemos sempre utilizar uma linguagem precisa e concisa. Propor um objetivo é expressar nossa intenção transformadora, transformação que poderemos monitorar e avaliar. Para que isso aconteça é preciso que cada objetivo explicite também sua meta – objetivo quantitativo, temporal e espacialmente dimensionado, isto é, além de expressar o que queremos, precisamos delimitar o quanto, em que tempo e em que lugar ele se realizará.

O planejamento das atividades do projeto

Planejar as atividades de um projeto é não só definir quais as ações e procedimentos necessários para alcançar os resultados desejados, mas também programar o tempo e a seqüência em que se desenvolverá cada uma dessas atividades. Um bom instrumento para isso é o cronograma, um instrumento simples e útil para identificar as ações no tempo, estimar o tempo em relação aos recursos, visualizar a possibilidade de algumas ações acontecerem em paralelo e, por último e mais importante, verificar a relação de interdependência entre elas.

O cronograma é um poderoso auxiliar tanto no planejamento quanto no monitoramento do projeto, pois com ele visualizamos o todo das atividades no tempo, suas interdependências, seu desenvolvimento, seus resultados, e podemos ir identificando possíveis desvios em relação ao planejado, o que possibilita uma correção de rota ainda durante o desenvolvimento do projeto.

O cronograma de atividades deve ser:

 completo, isto é, com todas as atividades do projeto e seus respectivos responsáveis;

 preciso, apontando o início e o fim de cada atividade;

 lógico, de modo a mostrar as interdependências entre as diversas atividades (por exemplo, a atividade de divulgar para o público-alvo os critérios de seleção dos alunos para um curso de capacitação pressupõe outra, a confecção de folhetos e cartazes de divulgação; se esta não for bem realizada e no tempo planejado, aquela estará prejudicada);

 flexível, atualizado e sistematicamente analisado;

 realista, baseado em estimativas reais.



* O planejamento dos recursos

Para cada atividade prevista no projeto devem ser explicitados claramente quais os recursos físicos, financeiros e humanos necessários, pois só assim será possível elaborar um orçamento realista. O planejamento dos recursos deve ser minucioso, a fim de diminuir as surpresas na fase de implementação do projeto, dando contornos e limites à nossa ação.

A composição do orçamento mostrará de onde virão os recursos para cada item de despesa, quais serão gerados na própria organização e quais serão financiados por entidades externas. O cronograma físico-financeiro nos dará a previsão dos gastos. Ele especifica, no tempo, os gastos necessários à realização das atividades do projeto.

Esse assunto será melhor explicitado em “Gestão administrativa e financeira de projetos sociais”, à página 105 deste livro.

A avaliação

Depois da identificação correta dos problemas, de suas causas e efeitos, do levantamento e organização das informações e dados necessários, é preciso estudarmos as possibilidades de nossa ação, refletir sobre a viabilidade – política, econômica, social, ambiental, institucional – do projeto que começa a se desenhar. É fundamental verificar se o problema levantado é passível de ser resolvido a partir das condições e propostas existentes e escolher, dentre as várias alternativas possíveis, qual se configura como a que melhor poderá enfrentar o problema.

Assim, ainda na fase do planejamento, é preciso analisar a viabilidade do projeto que se desenhou – é o momento da avaliação ex-ante, que, antecipando a própria ação, verifica, diante dos objetivos propostos, os impactos projetados sobre cada uma das alternativas de ação, quanto às estratégias, aos recursos, aos processos e aos resultados pretendidos.

Conforme se verá no texto “Avaliação de projetos sociais” (página 61), tanto a avaliação ex-ante e o monitoramento do projeto, bem como a avaliação post-facto, fazem parte do sistema de avaliação, item fundamental em qualquer projeto social.

O PROJETO SOCIAL COMO UM PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

A elaboração do documento do projeto

Quando falamos do projeto como um instrumento comunicativo, estamos querendo ressaltar uma de suas características fundamentais. Dos instrumentos de planejamento, o projeto é aquele que apresenta o maior nível de detalhamento, permitindo assim uma perfeita compreensão de sua totalidade, bem como de todas as



* suas partes. É fundamental visualizar o “sistema” como um todo, percebendo suas inter-relações, suas interdependências, suas relações de causalidade.

Assim, o documento escrito do projeto é a sistematização, a concretização de todo o processo de planejamento e um instrumento poderoso na captação de recursos, a qual, se não é o fim de nossa ação, é condição necessária para a sua viabilização.

O documento do projeto será, então, um instrumento de comunicação em duplo sentido:
 um sentido interno, criando em todos os envolvidos no processo um consenso quanto aos objetivos e metas, às ações que se fazem necessárias, às estratégias escolhidas, ao processo de avaliação, delimitando para todos suas responsabilidades e compromissos dentro do projeto; é, ainda, o registro de tudo o que foi decidido e, portanto, fonte permanente de consulta; um sentido externo, pois é preciso comunicar-se com o mundo exterior à nossa organização, é preciso argumentar e persuadir, é preciso convencer, educar e informar, é preciso captar recursos; para isso, é necessário um documento com uma proposta auto-explicativa, que possa fazer o marketing do projeto, demonstrando sua necessidade e importância e a capacidade da organização em implementá-lo com sucesso.
Não existe um modelo padrão para escrever um projeto. Várias formas/roteiros podem ser utilizadas. Além disso, na captação de recursos e na solicitação de apoio financeiro, você encontrará agências financiadoras que têm roteiros e formulários próprios e exigências de documentação específica a ser anexada.

De qualquer maneira, a natureza de seu projeto é que determinará qual deve ser o roteiro de seu documento.

O PROJETO SOCIAL COMO UM PROCESSO DE ARTICULAÇÃO E COOPERAÇÃO

Algumas palavras sobre parcerias e redes sociais

Vimos falando do novo paradigma na gestão e elaboração de projetos sociais. Uma das exigências dessa nova proposta de transformação social trazidas às organizações é o rompimento com a “cultura do isolamento” e o desenvolvimento de uma nova mentalidade, de novas capacidades, habilidades e estratégias para uma atuação conjunta, compartilhada. Não é mais possível trabalharmos sozinhos; é preciso nos articularmos, potencializar nossas ações através das parcerias e das redes.

Poderíamos definir parceria como um trabalho conjunto, realizado por atores sociais diferentes para um fim de interesse comum.



* As organizações sociais são, por sua natureza, diferentes das organizações governamentais. Atores da sociedade civil, seus interesses são sociais, não institucionais. Além disso, são atores que, situados dentro da sociedade civil, constituem somente uma parte dela. Seus interesses não se confundem com os interesses do mercado. Primeiro setor, segundo setor, terceiro setor se fundamentam em lógicas diferentes. O Estado fundamenta-se na lógica do poder; o mercado, na lógica do lucro; e o terceiro setor, na lógica dos valores: justiça, solidariedade, dignidade, direitos... Mas, embora sejamos essencialmente diferentes, embora nossas lógicas e, portanto, nossos interesses sejam também diferentes, podemos encontrar um espaço de atuação conjunta. Aí poderemos atuar juntos. Para isso, é fundamental conhecermos bem a natureza de cada parceiro envolvido. Se soubermos perceber e aceitar as várias “visões de mundo” em foco, se soubermos trabalhar essa diversidade de interesses, será possível realizarmos, em conjunto com outros parceiros, um trabalho que tenha por base o bem comum.

Mesmo em um trabalho parceiro entre organizações de mesma natureza, a diversidade estará presente. O universo das organizações não-governamentais não é homogêneo. Se somos todas organizações privadas com fins públicos, se somos todas integrantes de um terceiro setor, somos também entidades pertencentes a um universo que traz a marca da diversidade – não somos uma realidade objetiva, mas uma possibilidade de vir a ser; não somos uma sólida estrutura, mas um poderoso processo dinâmico.

Essa marca faz com que, em toda e qualquer parceria, nossa capacidade de diálogo, de convencimento e nossa predisposição para dividir nossos sonhos com o “outro” sejam postas à prova.

Se, em alguns momentos, é preciso ceder em benefício de um objetivo comum, já que parceria pressupõe interesses e responsabilidades recíprocas, é importante não perdermos de vista nossa identidade. Manter nosso papel, nossa autonomia é pressuposto primeiro para uma ação parceira. Nesse processo teremos de enfrentar as dificuldades inerentes a um trabalho que, por natureza, é permeado de “identidades” e “diferenças”. Essa não é uma prática fácil. O perigo da descaracterização, da cooptação e da subordinação nos ameaça o tempo todo.

As vinculações entre organismos financiadores e seus beneficiários não são, muitas vezes, relações horizontais como as que se instituem nas ações parceiras. Ao contrário, podem ser relações de subordinação quando a assinatura de convênio vem acompanhada de uma série de exigências ditadas pelo patrocinador, muitas vezes assumidas pelas ONGs que dependem do recurso para sua sobrevivência. Nessas eventualidades o que existe, quase sempre, é uma identidade de objetivos, muito embora as propostas metodológicas para o alcance destes apóiem-se em pressupostos



* teóricos distintos. Os órgãos governamentais, por seu turno, vêm adotando a prática da terceirização na execução das políticas e isso também vem sendo impropriamente chamado de parceria.

Vale lembrar que parceiros são co-partícipes e co-responsáveis pelos resultados do trabalho levado a efeito, o que não acontece nesse caso. O processo de construção de um sólido caminho comum revela avanços e recuos, o que demanda paciência, habilidade de negociação e capacidade de resolução de conflitos para que se chegue a bom termo. Ajustes precisam ser realizados, regras de convivência observadas e os créditos divididos pois, não raro, a disputa de poder permeia as relações de parceria, seja qual a forma que elas assumam, muito embora se pretenda a partilha desse poder.

Apesar das dificuldades, o estabelecimento de parcerias traz muitas vantagens. Através das parcerias ganhamos maior racionalidade na utilização de recursos que são escassos. A parceria também empresta maior visibilidade, credibilidade e força, já que, atuando em bloco, nosso poder de pressão sobre as entidades financiadoras e/ou formuladoras de políticas públicas aumenta. Por último, o aspecto mais importante: a atuação conjunta com outros parceiros pressupõe uma proposta e uma prática democráticas.

Assim, a ação parceira, compartilhada, ganha sentido e se potencializa, dentro do espaço democrático, na ação política de atores sociais que, como interlocutores, atuam de forma participativa e mobilizadora na construção de uma nova realidade, realidade que tenha a coisa pública como seu valor maior.

Outra forma de articular-se, uma das mais eficientes encontrada pelas organizações sociais, é fazer parte de uma rede – palavra emprestada do campo da informática.

Diferentemente das parcerias que se constroem para o enfrentamento de um problema objetivo, pontual, as redes costumam se articular em torno de temas específicos (culturais, educacionais, políticos). Existem vários tipos de redes: redes temáticas – meio ambiente, infância, direitos humanos, jovens e adolescentes, etc.; redes regionais – um estado, um grupo de municípios, um conjunto de bairros; ou redes organizacionais – associações de entidades, fóruns, etc.

É preciso ressaltar, ainda, as redes complementares – redes que se formam com programas similares e complementares. Um bom exemplo dessa necessidade aparece quando pensamos em um projeto de erradicação do trabalho infantil. Não podemos apenas oferecer uma bolsa que substitua o dinheiro que a criança trazia para casa, fruto de seu trabalho; para que um projeto como esse tenha efetividade é preciso também um



* trabalho educacional, de saúde e assistência às famílias. Só a rede possibilita essa mobilização e conjugação de esforços.

Através de múltiplas combinações, as organizações sociais “reúnem-se através de redes que combinam a autonomia de cada ponto no sistema com um imenso fluxo de informações”.

A dinâmica da integração pode dar origem a diferentes conjuntos e conglomerados em diferentes ocasiões, envolvendo a cada vez parceiros diversos, segundo as circunstâncias, as questões em pauta, a história local num certo campo particular. Não há de ser concebida como front territorial de configuração constante. Alguns grupos podem unir-se no combate à violência contra a mulher, mas afastar-se quanto ao combate à poluição. Outros podem ser aliados para matérias de meio ambiente mas afastar-se quanto ao emprego. No terceiro setor, não se há de esperar por blocos de lealdades permanentes. Confrontos e compromissos são uma parte intrínseca à sua dinâmica interna.

As redes sociais são, hoje, instrumentos altamente eficazes na mobilização dos agentes sociais para ações coletivas dentro do espaço público, auxiliando no fortalecimento institucional das organizações, na troca de experiências, de capacitações sistemáticas, etc. Também constituem elemento facilitador na captação de recursos e um importante aliado no aumento da visibilidade e credibilidade das várias organizações.

A rede possibilita também que nossas organizações invistam naquilo que hoje é condição fundamental para o trabalho no campo social – a expansão de nossa capacidade relacional, a possibilidade de acesso cada vez maior a novos conhecimentos e informações.

Através das redes, diferentes organizações vinculam-se nas mais diversas relações, atuando como um todo coerente, discutindo problemas estruturais ou conjunturais, acessando as bases de dados de organismos nacionais e internacionais, negociando divergências táticas e construindo alianças no campo de lutas específicas, de interesse comum.

As redes organizam-se horizontalmente, sem hierarquias, e sua existência e atividade dependem da iniciativa de cada uma de suas partes e não de uma instância central. São como parcerias ampliadas, com um grau muito maior de abrangência, de difusão das informações e de mobilização de suas partes, podendo desempenhar, por sua amplitude e concentração de forças, um papel político importante no processo de transformação social.



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